Crônica de Natasha (a lagartixa).
Nas minhas idas
e vindas de São José para Caraguatatuba, com malas caixas de livros, pacotes, sacolas,
foi que Natasha embarcou clandestina em uma das bagagens. Não sei quais foram as
estratégias da jovem aventureira, e nem sei de suas intenções.
Talvez a vida
na pacata cidade litorânea, não mais a interessava, queria outros ares, outros
mares, outros amores... Talvez isso... Não sei ao certo.
O que sei é que
em um desfazer de caixas, eis que surge, a roliça lagartixa, ainda bronzeada
pelo sol litorâneo, bem diferente das albinas que costumo ver em São José,
dentro das casas.
Simpatizei de
cara com Natasha, tanto que a batizei por este nome e, dei ordens lá em casa
que não a fizessem mal algum, ela moraria em meu quarto nos cantos do guarda
roupa, ou onde se sentisse bem. E que não a incomodassem.
Eu a admirava
muito, pois, corajosa, ardilosa, estrangeira, atrevida, são coisas tão femininas e, eu
via estas qualidades em Natasha.
Alguém de casa
me alertou que a ousada moradora visitava a cozinha algumas vezes. Ora, tão normal, para
um espírito inquieto. Que conheça melhor o território vizinho, que explore as redondezas, que se certifique dos perigos.
Em um dos
encontros rápidos com Natasha, eu nos meus afazeres e, ela nos dela, notei que
não era mais tão roliça. A metrópole a deixara mais elegante, crescera um
pouco, estava mais clara pela ausência do sol. De relance percebi um ar de “algo
errado” com o minúsculo réptil. Mas, o dia a dia, rapidamente desviou-me de
olhar melhor, levou a minha atenção para outras coisas, concentrei-me no que
estava fazendo e desliguei-me de Natasha.
Antes tivera eu
levado a sério aquele insight, e investigado melhor o que poderia estar
acontecendo, pois, aquele foi o último dia que vi Natasha com vida.
A outra vez que
a encontrei, foi apenas a visão de um corpo, seco e duro, estendido no piso
gelado da cozinha de meu apartamento. Não foi difícil descobrir a causa mortis. Morrera de fome!!! Como
não pensei nisso antes? Em apartamentos não há insetos com que possa se
alimentar uma lagartixa.
Pobre Natasha...
Deixou a vida de fartura alimentar e harmoniosa natureza da cidade pequena;
para uma vida de fartura sensorial, desequilíbrio e anorexia da cidade grande. Alimentou
a alma de aventuras, mas, seu corpinho não resistiu.
E eu, na individualidade
metropolitana, imersa em mim mesma o tempo todo, não fui capaz de perceber a
necessidade fundamental de aquele pequeno ser vivo, que um dia fugiu de casa
para buscar aventura e encontrou a morte...
Claudia Regina
Lemes – 22/07/2013