Isto
aconteceu há muito tempo atrás, num local distante. Nem lembro se foi sonho ou
realidade:
Lembro-me de ter feito uma visita cultural com
crianças lindas de uma comunidade bem simples localizada na periferia da tal
cidade.
Chegamos
na hora marcada, pois aprendemos e ensinamos aos nossos pequenos a importância da
pontualidade.
Nossas
ávidas crianças estavam felizes com aquele passeio e vestiram-se com as
melhores roupas que tinham: simples camisetas surradas pelo tempo de uso.
Na
mesma data e mesmo local outro grupo de crianças chegou com seus professores um
tanto atrasado. Aguardamos pacientemente. Afinal aprendemos e ensinamos aos
nossos pequenos a ter compreensão e paciência, pois imprevistos podem
acontecer.
Eram
como os meus - de escolas públicas, portanto crianças das classes operárias
deste país. Mas era notório pelos trajes das crianças, que a escola que chegou
depois era de crianças e famílias que tinham poder aquisitivo maior dos que os pequenos
que estavam comigo. Os meus eram realmente bem pobrezinhos.
Organizamos
as crianças para entrarem no auditório onde aconteceria o evento. Tanto os meus
alunos como os da outra escola que por terem se atrasado estavam na sequencia
da fila.
Nisto
a funcionária que trabalhava na organização e que aguardara pacientemente, fez
a seguinte pergunta:
-
Que idade vocês têm?
Todos
respondem diante da minha confirmação e das outras professoras: “Entre dez e
onze anos”.
Sem
dar importância à informação ela rapidamente decide e toma providência
apontando para as crianças “bem vestidas”
-Mas
eles são menores. Tomem a frente da fila e entrem primeiro. Professora organize-os
no auditório.
Discreta
e imediatamente eu chamei a coordenadora de lado e perguntei:
-
Que critério vocês usaram para chegar à conclusão de que os estudantes da minha
escola são maiores em tamanho do que os da outra, sendo que todos são da mesma
idade e a altura entre eles é bem heterogênea?
Ela
me olhou profundamente procurando uma resposta. Mas não deu tempo. Criança é
criança. São atentos ao mundo, absorvem seus valores e sentidos. Compreendem
com os ensinamentos e exemplos dos adultos. Alguns aprendem silenciosamente,
outros manifestam em palavras ou gestos o que captam. E por isto, enquanto crianças
e seus professores alegremente já se encaminhavam para o auditório, obedecendo à
ordem de passar na frente, uma vívida e sagaz criança, sem ter ouvido ou
percebido o meu questionamento, pronuncia com inocência em alto e bom tom:
-
Estamos passando na frente porque eles são pobres!
Silêncio
e constrangimento total. A criança percebeu tudo. Uma das professoras segura a
criança pelo braço e a enfia para dentro do auditório o mais rápido possível.
As
crianças neste dia aprenderam o que lhes foi ensinado pela coordenadora do
evento e pela professora que silenciou aceitando o tradicional ranço da
“vantagem em tudo” atribuída aos brasileiros. Ensinaram também que a opressão,
a exclusão e a prepotência se praticam de forma velada. Se possível bem
silenciosa para não causar grandes problemas.
(CLÁUDIA
– 2014)