segunda-feira, 22 de julho de 2013

Crônica de uma lagartixa.

Crônica de Natasha (a lagartixa).

Nas minhas idas e vindas de São José para Caraguatatuba, com malas caixas de livros, pacotes, sacolas, foi que Natasha embarcou clandestina em uma das bagagens. Não sei quais foram as estratégias da jovem aventureira, e nem sei de suas intenções.
Talvez a vida na pacata cidade litorânea, não mais a interessava, queria outros ares, outros mares, outros amores... Talvez isso... Não sei ao certo.
O que sei é que em um desfazer de caixas, eis que surge, a roliça lagartixa, ainda bronzeada pelo sol litorâneo, bem diferente das albinas que costumo ver em São José, dentro das casas.
Simpatizei de cara com Natasha, tanto que a batizei por este nome e, dei ordens lá em casa que não a fizessem mal algum, ela moraria em meu quarto nos cantos do guarda roupa, ou onde se sentisse bem. E que não a incomodassem.
Eu a admirava muito, pois, corajosa, ardilosa, estrangeira, atrevida, são coisas tão femininas e, eu via estas qualidades em Natasha. 
Alguém de casa me alertou que a ousada moradora visitava a cozinha algumas vezes. Ora, tão normal, para um espírito inquieto. Que conheça melhor o território vizinho, que explore  as redondezas, que se certifique dos perigos.
Em um dos encontros rápidos com Natasha, eu nos meus afazeres e, ela nos dela, notei que não era mais tão roliça. A metrópole a deixara mais elegante, crescera um pouco, estava mais clara pela ausência do sol. De relance percebi um ar de “algo errado” com o minúsculo réptil. Mas, o dia a dia, rapidamente desviou-me de olhar melhor, levou a minha atenção para outras coisas, concentrei-me no que estava fazendo e desliguei-me de Natasha.
Antes tivera eu levado a sério aquele insight, e investigado melhor o que poderia estar acontecendo, pois, aquele foi o último dia que vi Natasha com vida.
A outra vez que a encontrei, foi apenas a visão de um corpo, seco e duro, estendido no piso gelado da cozinha de meu apartamento. Não foi difícil descobrir a causa mortis. Morrera de fome!!! Como não pensei nisso antes? Em apartamentos não há insetos com que possa se alimentar uma lagartixa. 
Pobre Natasha... Deixou a vida de fartura alimentar e harmoniosa natureza da cidade pequena; para uma vida de fartura sensorial, desequilíbrio e anorexia da cidade grande. Alimentou a alma de aventuras, mas, seu corpinho não resistiu.
E eu, na individualidade metropolitana, imersa em mim mesma o tempo todo, não fui capaz de perceber a necessidade fundamental de aquele pequeno ser vivo, que um dia fugiu de casa para buscar aventura e encontrou a morte...


Claudia Regina Lemes – 22/07/2013

Um comentário:

  1. Não se culpe! A morte de Natasha ajudou a abrir teus olhos para a necessidade de alimento para corpo e alma: "cuidar de si e dos outros", sem perder o "espírito aventureiro"...

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