domingo, 19 de janeiro de 2014

CRIANÇAS EM VELÓRIO.

Crônica escrita há muito tempo e reescrita várias vezes. A última foi em 1996 e digitada atualmente em 2014.

CRIANÇAS EM VELÓRIO
Família de descendência camponesa italiana: falatório, reuniões, comilança, risos e choros, fofocas ânimos sempre alterados.
Em uma família camponesa italiana, nada é pequeno. Tudo é ampliado. Quando comem. Comem muito.  Quando o motivo é de riso. Ri-se muito. Mas, se choram. Choram muito também.
Era motivo de choro, como em todo velório. E por ser um velório italiano: Muito choro. E por ser uma família italiana: Muita gente!
De vez em quando um comentário. Hora ou outra, alguém se aproximava da defunta e derramava-se em prantos mais ostensivos, sob o olhar curioso dos presentes.
Um terço sendo rezado por um grupo em um canto. Um chá sendo servido em outra parte da sala. Outro grupo ouvia atento, explicações sobre os motivos da morte. Velório caseiro é claro, como era costume antigamente.
Ah! Não podemos nos esquecer das crianças. Esses seres incansáveis que encontram a fantasia nos locais mais inóspitos do dia a dia. Ali também estava um grupo de crianças, meio desassistidas por seus responsáveis, devido à situação. Brincavam, representavam, conversavam e fantasiavam o momento presente. Eu, entre elas, com os meus quatro ou cinco anos, não lembro ao certo, às vezes deixava a brincadeira, para olhar com atenção para a morta. Era jovem, cabelos castanhos, muito branca, talvez devido ao seu estado cadavérico. Vestida de noiva: “Que linda! Quero ser como ela quando eu morrer.” – Pensava. 
Apenas estranhava algodão na boca. Fui saber, muito mais tarde, que era para conter a hemorragia. Pois, a minha imaginação infantil, me levara a concluir que era para evitar que ela voltasse a respirar e se transformasse em zumbi. Que medo!
Esse medo se alastrou. E foi esta conclusão medonha que roubou da minha meninice e da vida conjugal de meus pais, por vários anos, as noites de sono, que foram substituídas por madrugadas em minha companhia chorosa e assustada.
CLAUDIA REGINA LEMES - 1996

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