domingo, 21 de julho de 2013

REFLEXÕES SOBRE VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO

Educação e violência  - A violência doméstica contra a criança na formação da sociedade brasileira
REFLEXÕES SOBRE VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO
PROF.ª MS. CLÁUDIA REGINA LEMES.

Sou recém-chegada, de um percurso de pouco mais que dois anos de estudo do tema violência, sobretudo a violência doméstica contra a criança e gostaria de propor algumas reflexões sobre violência e educação.
Bem, pensando a educação como garantia de acesso ao acervo cultural historicamente construído, de uma geração para outra, vamos considerar duas instituições importantes que atuam na educação. A escola e a família e, propor reflexões sobre o acervo cultural que estas duas instituições têm garantido para as novas gerações.
No âmbito da educação escolar existe muitas vezes uma distancia muito grande entre a cultura escolar e a cultura social de referencia dos alunos e alunas. Os modelos hegemônicos são usados como referencia ideal.
A escola é um local onde as relações humanas acontecem entre sujeitos que cumprem diferentes papeis impregnados dos valores acima apresentados e disseminados quase sempre de forma irracional em um processo dinâmico e rápido, acaba reproduzindo o sistema de força que reflete em seu território. A escola acaba por este meio sendo uma local de formação da cultura, mas, que muito mais reproduz as ideologias presentes na sociedade do que reflete ou propões reflexões sobre ela.
É comum na educação ouvirmos frases como esta: “[...] Vocês devem calçar um chinelinho de cetim e caminhar bem devagarzinho, sem barulho para não incomodar e assim vão com o tempo aprendendo como as coisas funcionam” [1]  
Bem, este tipo de discurso, que nega a individualidade a autenticidade, a identidade, a singularidade, convive cotidianamente com o ideal da pluralidade cultural, da tolerância, da necessidade de aprender a conviver da escola e a cultura da paz.
É nítida a contradição que existe entre a teoria e a prática na educação escolar formal. Eu chamo a atenção para a palavra “formal”, pois também na escola, é disseminada a educação informal, que é aquela que se aprende em seu entorno e que foge do currículo sistematizado. Essa educação diz respeito aos conteúdos culturais que são produzidos na comunidade escolar e que passam a fazer parte da identidade da instituição que podem trazer benéficos para os seus integrantes como podem ser destrutivos como, por exemplo, a prática do bullyng.  A escola é muitas vezes fonte de violência simbólica presentes na sua prática e muitas vezes também se omite mesmo tendo constatado a vitimização de seus alunos, por outros alunos ou por agentes externos à comunidade escolar. 
Outra instituição educativa que consideramos importante é a família. As famílias mudaram na forma de pensar a vida, de produzir, de se organizar como instituição e de conceber valores. Se, no período anterior, a família apresentava-se extremamente autoritária e repressiva, hoje ela possui uma forma um pouco mais solta para lidar com seus membros, o que a princípio representaria um ganho, se isso não tivesse relação direta com o mercado de produção a que a criança era atrelada no passado como força de trabalho e que hoje tem a sua participação melhor garantida na via contrária. No mercado de consumo. Os membros da família são submetidos à vontade a aos papéis que a sociedade lhes determina e, “[...] uma vez que, por um lado, o dinheiro está de modo devastador, no centro de todos os interesses vitais e, por outro é exatamente este o limite diante do qual quase toda relação humana fracassa.” (BENJAMIN, 1994, p. 21). E com isso desaparece do plano natural e ético a confiança irrefletida, o repouso e a saúde. Uma sociedade que, como defende Fromm (1979), nos últimos cem anos do mundo ocidental, conseguiu criar uma riqueza material maior do que a criada por qualquer outra sociedade da História da Humanidade, mas que mata ou abandona as suas crianças, é uma sociedade que precisa ser repensada.
Então vamos propor finalmente uma rápida passagem pela educação presente nos meios de comunicação tecnológico.
Nos dias atuais em que a os veículos educadores se multiplicam e entre estes veículos temos as mídias e suas notícias, sabemos que vivemos em um mundo em que a violência está presente em todas as esferas da vida e que essa situação assusta cada vez mais as pessoas que acabam produzindo esta cisão de bem e mal. A violência simbólica produzida neste mundo dissemina o medo na sociedade.  O povo[2]deve ser protegido: “A razão do povo deve ser seus sentimentos; é preciso, portanto, dirigi-los, e formar seu coração e não seu espírito; eles devem também ser mantidos em seu estado natural de fraqueza.” (MARCUSE, 1981 p. 123).
A televisão (que também dissemina e incute algo de violência na sociedade),  não condiz com uma educação emancipadora e os acontecimentos reais e atuais que levam ao conhecimento do grande público a violência cumprindo o papel do espetáculo como aconteciam nas tragédias das arenas. É muito pouco pensada a violência que é demonstrada pelas mídias.
A proximidade e intensidade da violência social praticada na atualidade voltadas para o medo, disciplinamento e afirmação da cultura nos noticiários televisionados com formatos de espetáculos, carregam a ideologia da massificação e da alienação do pensamento. Com isso o que se perde em riqueza humana e em sentimento de autentica felicidade, aponta Fromm (1979), que é compensado pela segurança da harmonia e sentimento de pertencimento: “Em realidade, o seu próprio defeito poderá ter sido elevado à categoria de virtude pela sua cultura, podendo, assim, proporcionar-lhe uma intensa sensação de êxito. (FROMM, 1979, p. 29).
Muitas crianças invisíveis que são vítimas do abandono e que vagam pelas ruas das cidades, nos sinais de trânsito, nos trens urbanos, carregam uma história de vida anterior ou paralela à situação atual, na qual se desvelam as diversas formas de violência por atos ou omissão daqueles que deveriam proteger a sua condição peculiar de desenvolvimento.
Muitas dessas crianças deixadas ao próprio destino fogem de casa, ou saem sem compromisso de retorno para o lar, que não lhes oferece refúgio, proteção, carinho, requisitos básicos para o desenvolvimento saudável e humano de qualquer criança. Foram inúmeras vezes na história que toda uma sociedade se omitiu diante da barbárie, e ainda o faz quando trata como invisível a criança pedindo nos faróis; a criança marcada pela violência física, sexual, pela negligência; a criança que freqüenta diariamente as salas de aulas de tantas escolas públicas e privadas; a criança que é atendida em ambulatórios vítimas de maus-tratos; a criança que é explorada nos trabalhos que degradam sua saúde e roubam-lhe as oportunidades de formação para a cidadania; entre outras crianças. Nesse sentido, “a investigação sobre o preconceito tende a reconhecer a participação do momento psicológico nesse processo dinâmico em que operam a sociedade e o indivíduo.” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 173-174).
Adorno (1996, p. 5) aponta que a consciência progressivamente dissociada das coisas humanas descansa em si mesma e se converte em pseudoformação, por isso, vimos o sonho da – a libertação da formação, imposição dos meios e da estúpida e mesquinha utilidade – ser falsificado “[...] em apologia de um mundo organizado justamente por aquela imposição. No ideal de formação, que a cultura defende de maneira absoluta, se destila a sua problemática.”
A cultura da violência é naturalizada na sociedade fragilizada em conflitos e guerras, na qual crianças são feitas soldados no trânsito, nas competições esportivas, gangues de ruas, na exploração do trabalho infantil, nas comunidades marginalizadas e excluídas do acesso aos bens produzidos nos países. A criança na condição de coisa reflete a fragilidade da nossa civilização que não é capaz de preservar a sua integridade.
Fromm (1979) qualificou como violência compensatória a violência que é empregada como um substituto de atividade produtiva por alguém que se vê impotente diante das forças sociais que o dominam. Este, por possuir vontade e capacidade de liberdade para criar e modificar o mundo, é impelido a agir desse modo.

Esta necessidade humana expressa-se nas primitivas gravuras das cavernas, em todas as artes, no trabalho e na sexualidade. Todas essas atividades são o resultado da capacidade do homem para dirigir sua vontade na direção de um objetivo e sustentar o esforço até esse objetivo ser alcançado. A capacidade para assim usar esses poderes é chamada potência. (A potência sexual é somente uma das formas de potência.). (FROMM, 1979, p. 32).
                                                      
Quando o homem fracassa, tornando-se impotente diante das forças que não é capaz de vencer, tenta restaurar suas capacidades identificando-se com uma pessoa ou grupo de pessoas que disponha de poder para a sua satisfação de participação simbólica na vida de outro homem. Tem a sensação de agir, mas na verdade só está se submetendo, ou então age usando o seu poder para destruir.
Nesse sentido, instaura-se a violência na sociedade capitalista. Ação sem reflexão é falência da prática destituída de teoria. O fazer sem a razão é como o sujeito que reproduz um sistema de forças sendo impulsionado a agir. Segundo Roggero (2001), a identidade constitui-se a partir da participação do indivíduo nas relações sociais e requer adaptação e renúncia aos instintos.
A identidade não se constrói pela violência compensatória que, conforme Fromm (1974, p. 33), é a essência do sadismo e infringe dor aos outros. Ela tem o impulso de exercer o domínio sobre outra pessoa e torná-lo objeto indefeso de sua vontade. Tem por meta tornar o indivíduo como algo inanimado. “Criar vida exige certas qualidades de que carece a pessoa impotente. Destruir vida só requer uma qualidade: o uso da força.” A cultura que fornece a alma da civilização é constituída pelo espírito e o processo histórico da sociedade, tanto no plano das idéias como no plano material. Essa cultura é capaz da fazer frente à violência. Essa á a forma de se compreender a verdadeira cultura da paz.
BIBLIOGRAFIA
ADORNO, Theodor W. Teoria da semicultura. Tradução de Newton Ramos de Oliveira, Bruno Pucci e Cláudia B. M. de Abreu. Educação e Sociedade, ano XVII, n. 56, p. 388-411, dez. 2006.

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 1 v.

______. Obras Escolhidas. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. 2 v.

CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, violência e cotidiano escolar. In: ______ (Org.). Reinventar a escola. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 137-166.

LEMES, Claudia Regina. Formação Cultural e o Fenômeno da Violência Doméstica Contra a Criança, 2009. 177 f. Dissertação de Mestrado – Universidade Braz Cubas,  Mogi das Cruzes, 2009.

FROMM, Erich. O coração do homem: seu gênio para o bem e para o mal. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

______. Psicanálise da sociedade contemporânea. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

______. A arte de amar. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

HORKHEIMER, Max. Autoridade e família. In: ______. Teoria crítica: uma documentação. Tradução de Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva/Editora da Universidade de São Paulo, 1990. p. 175-236.


HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Temas básicos da sociologia. São Paulo: Cultrix, 1973.

MARCUSE, Herbert. Idéias sobre uma teoria crítica da sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

______. Cultura e psicanálise. 3. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.

ROGGERO, Rosemary. A vida simulada no capitalismo: um estudo sobre formação e trabalho na arquitetura. 2001. 273 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2001.







[1] Esta frase foi deferida por uma liderança educacional para orientar como se deve agir aqueles que estão iniciando em um novo local de trabalho e encontram dificuldades na relação com aqueles funcionários mais antigos.
[2] “Isto é aqueles que são mantidos por suas ocupações puramente mecânicas e contínuas em um estado habitual de infancia”(MARCUSE, 1981)-o termo infancia é usado pelo autor neste ensaio para designar a condição de imaturidade a que o homem é mantido por outros homens na relação de autoridade e submissão.

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