sexta-feira, 10 de outubro de 2014

COMO SE ENSINA UMA CRIANÇA SOBRE OS VALORES DE UMA SOCIEDADE.


Isto aconteceu há muito tempo atrás, num local distante. Nem lembro se foi sonho ou realidade:
 Lembro-me de ter feito uma visita cultural com crianças lindas de uma comunidade bem simples localizada na periferia da tal cidade.
Chegamos na hora marcada, pois aprendemos e ensinamos aos nossos pequenos a importância da pontualidade.
Nossas ávidas crianças estavam felizes com aquele passeio e vestiram-se com as melhores roupas que tinham: simples camisetas surradas pelo tempo de uso.
Na mesma data e mesmo local outro grupo de crianças chegou com seus professores um tanto atrasado. Aguardamos pacientemente. Afinal aprendemos e ensinamos aos nossos pequenos a ter compreensão e paciência, pois imprevistos podem acontecer.
Eram como os meus - de escolas públicas, portanto crianças das classes operárias deste país. Mas era notório pelos trajes das crianças, que a escola que chegou depois era de crianças e famílias que tinham poder aquisitivo maior dos que os pequenos que estavam comigo. Os meus eram realmente bem pobrezinhos.
Organizamos as crianças para entrarem no auditório onde aconteceria o evento. Tanto os meus alunos como os da outra escola que por terem se atrasado estavam na sequencia da fila.
Nisto a funcionária que trabalhava na organização e que aguardara pacientemente, fez a seguinte pergunta:
- Que idade vocês têm?
Todos respondem diante da minha confirmação e das outras professoras: “Entre dez e onze anos”.
Sem dar importância à informação ela rapidamente decide e toma providência apontando para as crianças “bem vestidas”
-Mas eles são menores. Tomem a frente da fila e entrem primeiro. Professora organize-os no auditório.
Discreta e imediatamente eu chamei a coordenadora de lado e perguntei:
- Que critério vocês usaram para chegar à conclusão de que os estudantes da minha escola são maiores em tamanho do que os da outra, sendo que todos são da mesma idade e a altura entre eles é bem heterogênea?
Ela me olhou profundamente procurando uma resposta. Mas não deu tempo. Criança é criança. São atentos ao mundo, absorvem seus valores e sentidos. Compreendem com os ensinamentos e exemplos dos adultos. Alguns aprendem silenciosamente, outros manifestam em palavras ou gestos o que captam. E por isto, enquanto crianças e seus professores alegremente já se encaminhavam para o auditório, obedecendo à ordem de passar na frente, uma vívida e sagaz criança, sem ter ouvido ou percebido o meu questionamento, pronuncia com inocência em alto e bom tom:
- Estamos passando na frente porque eles são pobres!
Silêncio e constrangimento total. A criança percebeu tudo. Uma das professoras segura a criança pelo braço e a enfia para dentro do auditório o mais rápido possível.
As crianças neste dia aprenderam o que lhes foi ensinado pela coordenadora do evento e pela professora que silenciou aceitando o tradicional ranço da “vantagem em tudo” atribuída aos brasileiros. Ensinaram também que a opressão, a exclusão e a prepotência se praticam de forma velada. Se possível bem silenciosa para não causar grandes problemas.


(CLÁUDIA – 2014)

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